Estruturas Libertadoras: todos são facilitadores
Líderes inteligentes sabem que a inteligência está na ponta. Mas como ouvi-la?
Recentemente, conheci as Estruturas Libertadoras e fiquei encantada como essas pequenas estruturas, muito simples e fáceis de aprender, ajudam as pessoas a inovar e enfrentar desafios complexos trabalhando com grupos, incluindo todas as vozes e liberando a criatividade.
Com isso, me deu vontade de escrever este artigo, para dividir com mais pessoas a conversa que tive com Fernando Murray Loureiro e Carolina Ribeiro de Almeida, designers e facilitadores de grupos, de longa data, entusiasmados praticantes das Estruturas Libertadoras.
O que são Estruturas Libertadoras? Quais são os diferenciais de outras metodologias usadas para trabalhar com grupos, como o World Café, por exemplo?
Fernando:
– As Estruturas Libertadoras não são um método, em si, mas você pode construir um método com elas. São sequências de conversas curtas, em duplas, trios e quartetos, cada qual com um objetivo específico. Então, em um dia, você tem uma diversidade muito grande de objetivos. Assim, a cada 15, 20 minutos, você vê coisas acontecendo e isso traz um engajamento muito interessante.
Tem metodologias que eu adoro, como o World Café, em que você só acaba vendo alguma coisa depois de duas horas de trabalho. Gosto de usar o World Café como exemplo, pois é uma metodologia bem difundida.
Uma das regras é ter um anfitrião em cada mesa e esse foi um grande passo, pois tirou do facilitador o papel de ser o único responsável por aquele processo. Ele distribuiu esse poder para mais gente, que são os anfitriões em cada mesa. Foi uma grande sacada.
As Estruturas Libertadoras multiplicam isso, porque todo mundo sabe qual é o processo, conhece o objetivo e está seguindo os passos. Dessa forma, você multiplica o papel do facilitador pelo número de pessoas que tem na sala.
Carolina:
– E aí olha o que acontece. Você planejou um dia inteiro de trabalho e chega um momento em que o grupo olha e fala: não é isso que a gente quer. E você se dá conta que tem outra estrutura, que não estava nos seus planos, que pode ser mais eficiente. E com isso, você começa a caminhar junto com o grupo e não mais falando para onde o grupo tem que ir. Quando isso acontece é muito fantástico, porque você se sente a serviço do grupo.
Fernando:
– E o grupo está a serviço dele mesmo.
“As Estruturas Libertadoras são uma inovação disruptiva que pode substituir abordagens mais controladoras ou restritivas. Elas colocam o poder inovador, antes reservado apenas para especialistas, nas mãos de todos.” Keith McCandless, cocriador das EL, junto com Henri Lipmanowicz
Fernando:
– Um dos diferenciais mais interessantes é que os dois autores colocaram as Estruturas disponíveis no mundo. Eles democratizaram essas formas de conversa para que mais pessoas possam usar. Por isso não tem certificação, o material é aberto e está traduzido em várias línguas. É para colocá-lo nas mãos de qualquer pessoa; consultores, gestores, tutores, não ficando restrito ao rol dos facilitadores.
Carolina:
– A gente faz as imersões para acelerar o processo de aprendizagem, mas não precisa fazer várias turmas numa empresa, por exemplo. A gente forma um grupo de 40, 50 profissionais que tem capacidade de multiplicar, faz a imersão com eles, e eles vão propagar lá dentro.
– Mas como assim, vocês vão ensinar a gente a fazer o que vocês fazem? – muitos nos perguntam. As Estruturas são feitas para isso, para a gente virar obsoleto.
Aí dá um nó na cabeça do cliente. Mas esse é um grande diferencial: as Estruturas Libertadoras não são para especialistas. O material está aberto e disponível e são tão fáceis, que meu filho pequeno é capaz de usá-las na escola, na sala dele.
Esse desprendimento é difícil de entrar na nossa lógica capitalista… como você está me ensinando a fazer algo que vai tirar você do mercado? Outra coisa que reparei é na possibilidade de criar sequências usando diferentes estruturas. Existem 33 sequências, elas têm créditos e formam uma espécie de biblioteca comunitária. Como isso funciona?
Fernando:
– Essa é uma parte que eu acho muito interessante. Se você der o mesmo contexto para vários praticantes com experiência, cada um vai desenhar uma sequência diferente. Vai ter coisas em comum e toques diferentes. E não tem sequência certa, porque o grande barato é esse. É você ter um portfólio de opções fáceis para lançar mão, conforme o seu objetivo e o fio de conversa que você quiser puxar.
Existe algum tipo de classificação das Estruturas, para facilitar a escolha e a formação das sequências, conforme seus objetivos?
Fernando:
– Tem uma classificação por cores, feita por um grupo de alemães, mas é discutível. De qualquer maneira, ela serve para ajudar a pensar qual é o objetivo daquela conversa. Você faz uma espécie de engenharia reversa: O que você quer? Qual o objetivo da conversa? E você vai lá na lista e monta a sua sequência, é bem prático.
As organizações são inteligentes como um todo. Muitas vezes, o que não deixa a inteligência aparecer são estruturas que não dão voz para todo mundo, que não incluem todo mundo nas decisões. Quando você remove essas barreiras, a inteligência emerge.
Carolina:
– Se eu estou em uma reunião e sinto que não tenho segurança psicológica para falar, eu prefiro me calar. E é isso o que acontece mesmo. As estruturas fazem com que as vozes apareçam sem nome. Às vezes, vem algo que é muito importante para aquela organização, mas não tem um nome. A ideia é do grupo, do quarteto e da dupla.
– É a expressão de um coletivo e não de uma pessoa. Não é só a minha ideia. É a minha ideia com o insight que eu tive a partir do que ele falou e evoluiu na conversa de um trio… Faz toda a diferença realmente poder ouvir as pessoas. E se elas se sentirem à vontade para falar, elas falam.
É uma maneira de minimizar o efeito da hierarquia autoritária, do chefe que quer fazer prevalecer sua voz.
Fernando:
– A hierarquia não é ruim. Ruim é quando a hierarquia impede a inteligência coletiva. A gente meio que se especializou em trabalhar com grandes grupos e líderes inteligentes que querem ouvir as pessoas, pois sabem que a inteligência está na ponta.
– Eles têm um direcionamento estratégico, têm a visão de longo prazo, mas não conseguem fazer isso acontecer, se a galera da ponta não trouxer os insumos. A hierarquia é boa, quando ela tem inteligência para trazer o grupo para junto dela.
– Os líderes de Holambra trazem o conceito da liderança horizontal, como um complemento da visão hierárquica de cima para baixo. Eles falam uma frase que eu acho ótima: “Toda frase começa com letra maiúscula e termina com ponto, isso é vertical.
– Horizontal é o que você vai escrever.” Você precisa de uma verticalidade para dar forma, estrutura, ordem. Estabelecer as balizas. Sem elas você se perde; tem que ter a verticalidade.
– Eu queria falar sobre a relação tempo-profundidade. Em vários momentos vocês falaram que as Estruturas são pequenas partes que acontecem muito rápido, pequenas conversas de poucos minutos.
O rápido não traz o risco de ser superficial? Tempo e profundidade são polaridades?
Carolina:
– Em um primeiro momento, as pessoas estranham a rapidez. Por exemplo, a Estrutura 124ALL é bem básica e faz parte de várias sequências. São conversas de um ou dois minutos. Mas conforme vai indo, as pessoas vão percebendo que é preciso ser objetivo, para trazer aquilo que é realmente essencial, que é importante para aquela conversa.
– Em geral, o tempo curto me faz trazer o profundo e não me deixa ser prolixo. Por outro lado, como é uma sucessão de pequenas conversas em dupla, trio e quarteto, você tem sempre a oportunidade de complementar e rever depois de ouvir o outro e pensar de novo.
– Vocês acreditam, então, que o tempo curto te faz ser mais essencial?
Fernando:
É a pressão. Isso é comprovado. Quando você tem menos tempo, você trabalha com mais capacidade, é natural do ser humano. Todo sistema precisa de um pouco de pressão para funcionar. O tempo é uma válvula de pressão.
Carolina:
– E tem outra questão. Não é que você teve só 5 minutos para dar sua sugestão e acabou. Na sequência, vai ter outro objetivo, ligado a como colocar em prática suas ideias. E você vai ter mais um tempo para evoluir. E assim, sucessivamente.
Fernando:
– O tempo é sempre uma questão. Mas por que esse tempo…? Porque foram 10 anos de experimentos dos autores para entender os tempos que melhor funcionam na prática. E funcionam, em várias culturas.
– Uma coisa que me chama a atenção são as perguntas. O quanto é importante fazer a pergunta certa, aquela pergunta instigante que vai gerar respostas para aquilo que se quer saber. Aqueles sucessivos “por quês” que te fazem chegar na raiz das questões.
Fernando:
– A pergunta é tão importante, que os autores mapearam os 4 elementos inferiores -Organizar espaços, Configurar grupos, Sequenciar e Alocar tempo e Distribuir a participação, para você não ter que se preocupar com a parte mecânica, que já é dada.
– Assim você pode se concentrar no convite, na pergunta. Qual é a pergunta que vai gerar aquela conversa? Vou fazer uma conversa para gerar ideias e soluções. Qual é a melhor pergunta? Tem alguns caminhos sugeridos, mas a ideia é refinar e adaptar.
Carolina:
– Várias pessoas já escreveram sobre como fazer um bom convite. Não é fácil. Tem vários caminhos. Se você pensar que um bom convite é o que vai fazer tudo aquilo acontecer, se o convite for mal feito, a conversa irá para um lugar que não tem sentido. Foi o convite que não levou.
– Por exemplo, a pergunta: “O que você viu, ouviu ou sentiu durante o workshop?” leva para caminhos bem diferentes do que: “O que você achou do workshop?”
– A maior parte das metodologias começa com uma boa pergunta. E não é fácil formular uma pergunta que seja instigante o suficiente e que abra para respostas em várias camadas: do sentir, do ver, do ouvir.
Fernando:
– Tem uma pergunta que eu adoro da Estrutura Imprompt Networking, que é muito usada no começo de eventos. É um conjunto de perguntas para responder em grupo. São três rodadas de 4 minutos, em duplas. A ideia é que cada pessoa responda o que espera levar do encontro e como ela pode contribuir. Com isso, você traz a pessoa para o protagonismo. O que você vai fazer? Por que você está aqui? Qual é a sua contribuição?
– E o lance de ser na dupla é genial pois você ouve e é ouvido. Depois você ouve outra pessoa e acaba sendo inspirado e influenciado pela resposta dela. Na segunda rodada, sua resposta já é uma combinação do que você ouviu e do que repensou. E na terceira rodada, você já está num lugar diferente, com mais clareza do que veio buscar. O que acontecem nesses 15 minutos, leva o grupo para um estado de engajamento e participação maior.
Então tem dois elementos: a pergunta que gera uma provocação e a sequência de conversas em dupla.
Carolina:
– Tem pequenos exercícios que você faz para preparar a pessoa para participar de uma estrutura ou para encerrá-la, muitos deles são reflexões guiadas. Um bom exemplo envolve a Estrutura Appreciative Interview, cujo objetivo é trabalhar histórias de sucesso e o que garantiu aquele sucesso.
– São 10 frases para completar sem pensar. É um exercício de criatividade, em que a gente vai guiando a pessoa numa exploração biográfica. O convite é para responder de forma intuitiva, muito rápida, sem racionalizar:
- A minha história até aqui tem…
- Minha história até aqui não tem…
- Algo que encontrei neste meu caminho foi…
Quando não passa pelo cognitivo, você vai buscar a inteligência no intuitivo
Fernando:
– O que nos encanta é que são exercícios extremamente simples, em que as pessoas chegam em lugares incríveis, de forma rápida. E você fazendo uma vez, aprende a reproduzir.
– Voltando à pergunta inicial “O que é uma Estrutura Libertadora?”, os autores dizem que uma Estrutura são muitas coisas ao mesmo tempo. As respostas e os significados são baseados em você e na sua experiência.
– As Estruturas Libertadoras podem ajudar você a ver um grande desafio pelos olhos de pessoas com experiências diferentes, abordando-o de múltiplos pontos de vista, simultaneamente e mutuamente. São uma maneira de compreender a natureza completa dos desafios emaranhados e progredir juntos.
Você acredita que quando se sente incluído e engajado, você faz um trabalho melhor? Você acha que equipes nas quais as pessoas trabalham bem juntas produzem resultados muito melhores? Você notou que as melhores ideias geralmente vêm de fontes inesperadas? Você quer trabalhar no topo de sua inteligência e dar a mesma oportunidade aos outros?
Para saber mais: https://www.estruturaslibertadoras.com.br/
Para ler: The surprising power of liberating structures
As Estruturas Libertadoras foram desenvolvidas por Henri Lipmanowicz e Keith cCandless.
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